quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Rio Bravo

Eu detesto westerns. Eis a razão de adorar Rio Bravo. O gênero me aborrece porque, embora os sentimetos que ele retrate sejam admiráveis, quase sempre baseiam-se em princípios, não em fatos. A discreta direção do filme está preocupada com algo além de si mesma – problemas pessoais, políticos, técnica. Ela nega o espírito do verdadeiro western e toma partido de seu inverso: ênfase, decoro, lirismo. Rio Bravo é também basicamente antagônico a um Johnny Guitar. Não há nada intrinsicamente poético a par do filme, embora o fim que resulte seja um tipo de poesia. Como sempre ocorre em Hawks, as regras do jogo são respeitadas, pelo menos até o ponto definido por Hawks como suficiente. Rio Bravo é um filme extremamente original, um faroeste sobre confinamento em que não há índios, paisagens ou cenas de perseguição. Ele realiza algo raro na redescoberta da essência do gênero, e o faz a partir de um caminho fora do comum (considerando que Red River e Big Sky chegam ao mesmo resultado sem romper com a tradição). E traz à mente a lembrança de um thriller como To Have and Not Have ou de um melodrama como Barbary Coast. Mas por que Hawks assinaria este western, afinal? Porque permitiria ao diretor apresentar ações que não são ordinariamente vistas todo dia no mundo, pela natureza de seres fora do padrão. Eu não sou um xerife, ou Angie Dickinson, ou um faraó; nem mesmo alguns de vocês. Hawks ainda nos mostra que o atrativo de tais indivíduos não está relacionado com aquilo que seria de se esperar (o mundo da aventura, o extraordinário). O Hawks classicista sempre rejeitou estes valores, satirizou-os, conduziu-os ao ridículo, até mesmo ignorando-os em The Thing. Contudo, aceita igualmente o trivial: um homem é um xerife do mesmo modo que é um peão ou um condutor de metrô. Há vários disparos em Rio Bravo, mas nenhum deles real, nenhum deles apresenta qualquer valor dramático verdadeiro. Os incessantes disparos acabam somente por se tornarem monótonos, e eles eliminam todo suspense. Cada gesto repetido anula seu predecessor. E a inteligência blasé de Wayne, longe de contemplar o ato, por alguma razão imediatamente fixa a extensão de possíveis conseqüências. Como Wayne o faz é uma questão de telepatia, similar ao modo prévio dos heróis hawkianos possuírem olhos atrás de suas cabeças.



Luc Moullet, Cahiers du cinema, Julho de 1959. Tradução de Felipe Medeiros.

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