sexta-feira, 18 de setembro de 2009

A lentidão de Deus: Maneiras e maneirismo na Comédia de Deus, de João César Monteiro


“Lentamente, retendo seu fôlego para que nada se sobressalte à sua passagem, o senhor João de Deus vai se postar detrás do balcão e, muito docemente, começa a preencher um cornet de sorvete”.

João César Monteiro, Que Deus me ajude.1t



Falar de maneirismo a respeito de um filme como A comédia de Deus ( 1995), do cineasta português João César Monteiro, supõe a priori que não reduzamos os contornos deste campo estético aos limites estabelecidos pelos redatores da revista Au hasard Balthazar1. Em um número importante, os autores desta revista adotam, com, efeito, uma posição firme e categórica sobre a problemática do maneirismo cinematográfico. Uma vez que esta posição procede de uma releitura crítica de trabalhos anteriores consagrados à questão, e por restringir consideravelmente a pertinência da noção de maneirismo no campo do cinema, ela pode, a princípio, servir como um contraponto de referência, a fim de proporcionarmos maior relevo à concepção de maneirismo que será desenvolvida neste estudo.


Uma concepção exclusivamente figurativa do maneirismo

No editorial1b deste número, a “redação”( uma vez que é “ela” que assina o artigo), recapitula brevemente os usos do termo maneirismo que existiram no domínio da crítica de cinema, desde o famoso e fecundo artigo de Alain Bergala “De uma certa maneira”2, aparecido em 1985 no Cahiers du Cinema, até sua evolução sob a pena de Serge Daney3. Em vista destes conceitos, uma visão de conjunto se impôs à redação: a flutuação semântica que permanece associada a esta noção de maneirismo “presa em tenazes entre os partidários do maneirismo ‘amaneirado’ e os pensadores do maneirismo genérico”4. Coube a Stéphane Delorme, num artigo muito interessante intitulado “ Sobre uma estética maneirista”, propor uma definição do maneirismo em sua abordagem “exclusivamente figurativa”5: o maneirismo ou “anamorfose sistemática e obsessiva de um motif ( tema?) magistral 6”. Se seguimos esta definição,- mas vejamos que Delorme fala de uma “estética”7, o que podemos compreender como uma estética dentre outras- pertenceriam, de forma típica ou mesmo exclusiva, à estética maneirista os filmes que deliberadamente se inscrevem em um jogo de relação entre uma obra originária e uma obra segunda 8, obra esta que opera, a partir da primeira, um trabalho de distorção, de exageração e de deformação figurativa 9- o exemplo típico seria a retomada e a re-elaboração maníaca por Brian de Palma , em vários filmes, do tema do chuveiro, subtraído ao Psicose de Hitchcock. 10
Embora apaixonante e produtiva, esta parece ser uma concepção muito restritiva do maneirismo. Ela elimina uma acepção do termo que permanece fundamentalmente ligada à noção de maneira, substrato etimológico do termo maneirismo. A maneira, em todos os sentidos que este termo11 pode revestir, e cujo sentido mais interessantes e contundente é justamente ligado ao “que a língua comum denomina ‘ as maneiras’12”, ou seja, estas formas claramente “sobrecarregadas” que são o preciosismo, a afetação, a gratuidade,a pose, a canastrice, etc Portanto, o que os autores desta revista, assim como vários de seus predecessores13, recusam é um maneirismo “amaneirado”, um maneirismo que não se diferencia da concepção original de “maneira”. Ora, para dar conta de certas particularidades estilísticas de um filme como A comédia de Deus, parece-me útil conservar esta dimensão do amaneirado no cadre do cinema- esta forma de maneirismo tão minoritária e “anedótica”.14


Sobre um “maneirismo amaneirado”


É sem dúvida Robert Klein, em um artigo intitulado “ A arte e a atenção à técnica”, compilado em sua obra A forma e o inteligível 15, que propôs a definição não-histórica16 do maneirismo que mais permanece tributária do termo “maneira”. Buscando estabelecer a relação entre uma arte e sua técnica- a atenção à técnica de uma arte procedendo de uma interrogação sobre o como ( como isto foi feito?) , e não mais sobre o que,- Robert Klein estabelece, ao cabo dos dois movimentos lógicos de suas rigorosas análises, uma definição formal 17 da arte entendida como “uma produção de efeitos”18, como uma “maneira” parcial ou totalmente autonomizada ( tomada como objeto) enquanto produtora de efeitos19. A arte a maneira são, portanto, aparentadas 20. E o terreno que lhes é comum é aquele nomeado por Klein como a “conduta”21. Assim, escreve, “a maneira é tanto mais sensível na arte, na medida em que a forma que esta nos oferece melhor preserva os traços , ou melhor, oferece as aparências de uma conduta, ora concretizada pro gestos, ora puramente ideal ou simbólica: o traço do desenhista, a “pesquisa” por uma imagem poética, a cadência de uma frase, a repartição dos suportes ou escolha dos materiais na arquitetura, os movimentos da câmera e os ângulos de tomada de cena- em resumo, todos os aspectos que fazem sentir ou supor existir uma vontade artística, uma real gratuidade e uma “mão” real ou metafórica”.22
Em que consistirá, nestas condições, o maneirismo ou o amaneirado, já que Klein estabelece uma equivalência entre ambos os termos? Ele aparecerá na criação artística quando se fizer presente uma atitude similar ( falando-se por analogia com um certo tipo de atitude humana) ao que chamamos de “afetação”, se afetação “consiste em desviar a atenção aos fins naturais de um ato, e orientá-la para a maneira, tomada praticamente como objeto e fonte dos efeitos.” 23 O maneirismo supõe, portanto, como Klein nos diz da afetação, uma “objetivação da maneira”24, esta maneira objetivada tornando-se assim o objeto principal sobre o qual o maneirista vai colocar as exigências de seu trabalho criativo.O maneirista “amaneirado”- como podemos, com efeito, tentar qualificá-lo25, para distinguir a maneira de outras concepções de maneirismo- aparece como um prolongamento lógico da concepção que consiste em deslocar a atenção do “que” ao “como”, situando-se não apenas do lado do prazer estético do espectador mas também do artista, e da produção dos efeitos buscados. O “maneirista amaneirado” será aquele que se inscreve em um movimento de “deslizamento do que ao como”, onde daí se implica uma sequência onde interviriam os como dos como”, cada novo nível sendo “artificial, ou mesmo afetado, em relação ao precedente, que representa o pólo relativo ao natural”26. Daí a definição do maneirismo ( ou amaneirado por Klein: uma hiper-arte, ou antes: uma arte da arte”.)27


Afetação e efeitos maneiristas.

Além da reflexão sobre a maneira que nos proporciona, duas razões nos tornam preciosa a concepção de Robert Klein do maneirismo como “arte da arte”, em nossa abordagem do cinema de Monteiro. Em primeiro lugar, como disse Daniel Arasse 28 ao comentar a definição 29 proposta por Klein, esta permite-nos postular que o maneirismo nasce “quando uma arte se interessa a seus instrumentos de representação, seja na técnica concernente aos próprios instrumentos ou na técnica da representação.” Segundo esta concepção, o maneirismo não designa uma corrente estética particularmente concernida 30, caracterizada por certo número de traços definidores e à qual podemos afiliar este ou aquele artista. “O maneirismo amaneirado” não é uma escola artística ou um movimento da história da arte. Tampouco constitui uma repercussão do sentimento de “ter vindo depois”, e de ter por tarefa necessária e primordial situar-se em relação a um modelo inultrapassável 31, com o objetivo de trabalhá-lo, ou até mesmo destruí-lo.32 O “maneirismo amaneirado” é uma atitude estética que podemos encontrar em todas as formas artísticas 33, desde que o artista concentre sua atenção, sua reflexão e esforço sobre a técnica e a tecnicidade com o fito de atingir a expressão, e produzir a emoção estética pelo singular uso que ele faz da técnica consubstancial à sua arte34. Além disso, visto desta maneira, o termo maneirismo não serve forçosamente a qualificar , em toda a sua extensão, o estilo de um criador, em particular numa arte como o cinema, que mescla técnicas bem diferentes. As tendências maneiristas de um autor, por procederem do interesse pelas técnicas artísticas constitutivas de uma arte, podem se manifestar mais em certos pontos da obra que em outros- tal cineasta revelando-se maneirista sobretudo pelo uso extremado da composição e refinamento de seus enquadramentos, outro pelo virtuosismo ou ênfase35 de seus movimentos de câmera. Neste sentido, ao lado da idéia de maneirismo como categoria genérica, é preciso postular a existência, em certas obras, de simples efeitos maneiristas, relativamente isoláveis, às vezes bem pontuais ou mesmo em segundo plano. Deste ponto decorre que um princípio metodológico que estabelece que não se trata, nos limites deste estudo, de defender a hipótese que um filme como A comédia de Deus apresenta em seu conjunto uma estética maneirista. Trata-se de colocar a ênfase e de pôr em relevo certos aspectos precisos e escolhidos do filme, aspectos portadores de uma dimensão amaneirada.

A definição de Klein nos oferece também o grande mérito de anular os preconceitos habitualmente reservados à afetação36. Pelo contrário: ela nos permite fazer da afetação uma categoria estética própria, suscetível de ser utilizada para dar conta da especificidade de uma démarche artística. Com Klein, é como se a obliqüidade de “fazer maneiras” encontrasse direito de cidadania na esfera estética e ao olhar analítico. Ora, no cadre do cinema, onde ,em primeiro lugar podemos encontrar o lugar da afetação, senão em certas atitudes e gestos dos atores? É preciso recordar, para tomarmos um exemplo que não tem nada em comum com Monteiro, das poses contorcionistas de A (Delphine Seyrig) no Ano passado em Marienbad, de suas posturas artificiais e complicadas que a “figuralizam”em um estranho e inacessível objeto feminino , e que contribuem a excitar o desejo de X. Não é por acaso, aliás, que Klein faz referências freqüentes ao trabalho dos atores-intérpretes, quando intenta ilustrar de forma concreta suas elaborações37. Sem adotarmos a perspectiva do “maneirismo amaneirado”, o jogo do ator, ao mesmo tempo como técnica de encarnação e uso de um impressionante repertório de instrumentos que o corpo oferece à sua disposição- o gestual, as entonações e inflexões da voz, as expressões, mímicas, modulações do rosto, velocidades de deslocamento, agilidade ou rigidez das posturas, etc- aparecem como um dos primeiros objetos de atenção para a leitura de um filme, em termos de maneirismo.
Fazer maneiras, adotar uma pose, ser afetado: estes movimentos coquettes, quando aparecem ostensivamente em um filme, seriam suficientes para colocar esta obra no campo de uma poética do maneirismo? É esta a hipótese que será proposta e explorada aqui, tomando apoio sobre uma análise de traços sintomáticos do maneirismo no jogo do ator João César Monteiro em A comédia de Deus. Mas é necessário precisar que estas maneiras, estes efeitos de estilização amaneirada participam de um projeto figurativo. O “maneirismo amaneirado”, com efeito, não é alheio à expressão figural: ele faz das próprias maneiras o terreno de expressão das figuras. Georges Charbonneau, no limite de suas preocupações, nos dá perfeitamente a medida deste ponto: “Adotar uma pose é sair de sua própria vida viva , com o objetivo de penetrar no mundo das figuras, para se figuralizar38”. Talvez seja neste nível que a diferença é maior entre as duas concepções de maneirismo que tentamos resumir. Sua relação fundamental à figura não é a mesma. No primeiro caso, uma figura primordial e maior preexiste ao processo de anamorfose, e é isolada, separada e congelada pelo cineasta, para ser retrabalhada- é o “tema magistral”. No segundo caso, a figura essencial não preexiste enquanto tal às “maneiras”: ela constitui uma repercussão do trabalho operado a partir das maneiras, transformadas em objetos de expressão. Ora, na Comédia de Deus, um grande número de efeitos maneiristas, ligados ao personagem João de Deus, convergem para a expressão de uma figura singular: a figura da lentidão.


“O movimento lento é essencialmente majestoso”.



A Comédia de Deus, primeiro filme de um díptico40 de que As bodas de Deus constitui a segunda parte, nos narra um período da vida de João de Deus, interpretado pelo próprio João César Monteiro, agora inventor de perfumes de sorvetes por obra de um feliz acaso que permanece secreto para o espectador. A narrativa segue a rota descendente do devir deste personagem, ou seja, sua destituição do Paraíso- a loja de sorvetes da qual ele é o gerente, que se chama “Paraíso do sorvete”. João de Deus havia dado uma forma muito particularmente sua a este micro mundo, esta pequena utopia, como nos permite compreender os primeiros planos do filme onde, sentado no centro da imagem, ele é a “alma da casa”, o pivot em torno do qual gravitam os empregados e os fornecedores, reduzidos ao papel de satélites do mestre supremo. Mas ao fim do filme João de Deus é expulso do Paraíso, que agora, sob os auspícios de uma galopante americanização, se metamorfoseia no Inferno41. Eis a consequência das liberdades tomadas pelo personagem para com uma ordem moral hipócrita e de seus abusos na prática de perversões refinadas. João de Deus não se contentou em criar perfumes capitosos ou de reger um conjunto de jovens ninfas, trabalhando sob suas ordens. Ele ultrapassa os limites, levando uma das moças, Rosário,e depois a filha do seu açougueiro, Joaninha, a práticas sensuais ou sexuais reprovadas, que redundam em escândalo. João de Deus recolhe então os frutos amargos: a indignação de todos, a violência física, o saque de seu apartamento, a redução a cinzas de seu Livro dos Pensamentos. No entanto, de um extremo a outro do filme, sua fleuma testemunha uma mesma impávida calma, a extrema contenção no registro de sua voz permanece idêntica, seu andar a passos contados não se acelera de forma alguma, e é impassível, sorriso nos lábios e fechando os olhos que ele se oferece ao açougueiro que lhe quebra a cara. João de Deus vive num modo onde a lentidão é soberana, e é lentamente que ele se encaminha para sua catástrofe.

“Cá está. Pontualidade britânica. O movimento lento é essencialmente majestoso”42. É este o retrato, tão sucinto quanto sugestivo, de João de Deus, oferecido por uma das moças empregadas no Paraíso. Ele ainda se encontra fora de campo,a moça o espera com uma outra colega, diante das portas envidraçadas da loja. Esta réplica, que se encontra no plano seguinte aos créditos43, tem um valor de incipit 2t: ela coloca o filme sob a epígrafe da Idéia da Lentidão congênita ao personagem de João de Deus, e possibilita acentuar-lhe o relevo.Mas ao antecipar a aparição do personagem, ela também permite in-formar a visão do espectador: antes de ser um personagem, João de Deus, em primeiro lugar, torna-se para o espectador aquele que, ao penetrar no plano, confere corpo à idéia de Lentidão que o precedia e, de alguma maneira, o esperava.


Figura da Lentidão.



Esta relação entre um corpo e uma Idéia44 que este se encarrega de encarnar é o que permite, em primeira instância, configurar a Lentidão em uma figura na Comédia de Deus. Sabemos, desde a investigação filológica de Erich Auerbach em Figura45, o quanto a noção de figura é polissêmica, e sobretudo intrinsecamente ambivalente. Como bem resume Olliver Schefer, “ao mesmo tempo forma-exterior, ou aspecto visível”, real de uma coisa, e “modelo abstrato”, ela não é propriamente “nem um nem outro separadamente, nem mesmo ambos de forma conjunta, mas se encontra inscrita , e eis a causa de sua fecundidade, entre os dois: entre visível e invisível, aparência exterior e modelo inteligível.46 Pode-se dizer portanto que a “figura visível”, ou mais exatamente aquilo que da figura constitui sua parte visível ( ou mais amplamente sensível) se ordena “de acordo com seu modelo”, sua matriz “invisível, que ela tem por tarefa manifestar”47. A figura se caracteriza, portanto, por este interstício ( entre-deux), encontrando sua função e sua virtude em uma mise en rapport ( pôr em relação, relacionar) entre domínios separados, ou mesmo disparates. Pascal resumiu de uma forma sugestiva esta característica da figura, quando em seus Pensamentos ele escreve que “figura porta ausência e presença”48. Se a lentidão relacionada ao personagem de João de Deus é eminentemente figura, é por ser gerada nesta lógica do interstício, do “entre”. A lentidão não é apenas o traço característico deste personagem libertino, austeramente hedonista ( vive como um monge, mas asperge sua vida de prazeres) e sensualista, igualmente caracterizado, em registros diferentes, por seu físico atrofiado, sua obsessão pela higiene, sua erotomania ou seu gosto por petiscos refinados. A Lentidão é a Idéia invisível que o define de antemão, e que seu corpo em seguida se encarrega de figurar. Quando João de Deus confere o Livro dos Pensamentos, onde conserva pequenos sachets de celofane contendo pêlos pubianos vindos dos quatro cantos do mundo, é para se debruçar longamente sobre cada página, verificando aqui e ali a inflexão de frase que lhe fora inspirada por tal triângulo pubiano, ou soprando delicadamente sobre alguns pêlos que escapam dos sachets, para vê-los flutuar sobre a cartolina. É por ser lido na velocidade de uma meditação erótica que este livro é o suporte de pensamentos.

A lentidão inerente ao personagem de João de Deus também pertence ao domínio da figura por ser apenas um modo de manifestação particular de uma Idéia mais geral de Lentidão que age em todos os níveis da representação. É a economia fílmica em seu conjunto que é lenta. Nada de mais alheio à Comédia de Deus, por exemplo, que a noção de montagem rápida que dinamiza o encadeamento de planos curtos, e imprime ao filme um “beat”49 tônico que pode dar ao espectador a sensação de ser levado por um crescendo sempre uniforme. Na Comédia de Deus, a montagem se faz sobretudo “mostragem”, no sentido particular de transmitir uma “de-mostração”: o corte e a aparição do plano seguinte se fazem frequentemente depois que um plano sequência permitiu que a situação que ele deu a ver se prolongasse em excesso, com o risco inclusive de esgotar a paciência de certos espectadores50. As escolhas da cenografia e da mise en scéne reforçam a impavidez inerente aos longos planos fixos: abundam com frequência um certo hieratismo dos personagens, a raridade ou fraqueza das ações51 e dos efeitos de composição, devidos à disposição estrita ou aos movimentos coordenados dos personagens no espaço, que contribuem a transformar estes planos em tableaux vivants , ou mesmo em imagens-tempo, onde a lentidão se torna um dado sensível. É esta aliás a intenção de uma sequência onde uma habituée do Paraíso retraça as grande etapas da invenção do sorvete, dos primeiros sorbets romanos até o “inundado” ice-cream: instalar a dramaturgia plenamente na lentidão. Filmado em plano de conjunto, quase no centro do cadre, “entalada” atrás de uma das mesas do Paraíso, onde se sentara, esta dama com cabelos grisalhos52 não faz nada além de se deleitar em contar esta história, destacando cada sílaba com a mesma “devida reserva” ( segundo seus próprios termos) com que, minutos depois, saboreia cada colherada de sua taça de sorvete. O caráter ronronante de seu fraseado, seus gestos contidos e lânguidos, sua inércia física e seus profundos suspiros dão forma a uma lentidão exibida como arte de viver, ou mesmo ética: a lentidão, modo de vida na contracorrente do frenesi liberal, imprime uma tonalidade tranqüila ao cotidiano, e aqui dá-se a ler como a chave para abrir o baú das delícias da vida. Concluímos, destes distintos elementos, que a lentidão é um dos sinais mais destacados e distintivos da estética de João César Monteiro. Uma das figuras essenciais de sua arte poética.


Jogo maneirista.


Para impor a Idéia de Lentidão enquanto figura, o corpo de João de Deus apenas a assume. Por dar-lhe uma forma, ele a torna particularmente visível. Com este fito, Max Monteiro53 elabora um tipo de interpretação inédita que, em nossa análise, se revela profundamente maneirista. Este maneirismo provém, em primeiro lugar, das atitudes afetadas, preciosistas ou canastronas que ele empresta a seu personagem; ele mantém ostensivamente seu cigarro entre o dedo maior e o anular54, se fixa no café em posturas indolentes e refinadas, falsamente naturais, que impressionam Rosário e contrastam com a “falta de jeito” da moça. Ou, pelo contrário, ele pode simular uma postura que o torna infinitamente frágil diante da mesma Rosário, antes de iniciá-la nas regras de higiene, com a cabeça voltada para frente, os braços cruzados sobre o dorso. Desta maneira, ele traduz corporalmente a forte impressão que a beleza da moça lhe causa. João César Monteiro propõe uma arte da pose, um maneirismo de posturas trabalhadas ao qual a lentidão é ontologicamente necessária, e que ele contribui para exprimir na medida em que “fazer uma pose” significa não apenas permanecer em posições corporais que nos dão a sensação de tornar o tempo mais lento ( ralentir) mas sobretudo “dar-se o tempo” de se instalar nestas posturas e manifestar que se vive sob um modo lento. Monteiro também inventa para seu personagem um repertório gestual maneirista dos mais singulares, quando eleva os olhos para o céu, querendo dizer “não falem comigo”, ou quando levanta os braços acima da cabeça, para dar maior amplidão a um “Que sei eu?”, que acompanha sempre este gesto. O maneirismo dos gestos vem em primeiro lugar de sua recorrência: João de Deus parece cultivar um catálogo relativamente restrito de gestos eleitos e cultivados, gestos que ele convoca ao sabor de sua vontade ou das necessidades do momento, e que ganham em expressividade na mesma medida em que perdem em espontaneidade. Mas o caráter maneirista deste gestual provém também da lentidão com que Monteiro executa estes gestos escolhidos. Sublinhados pelo tempo suplementar ao que seria necessário para sua execução, estes gestos se tornam outra coisa: formas, que se dão a ver e compreender enquanto puras maneiras, modeladas pela Lentidão, e que tem por função exprimi-la.

De uma forma mais essencial, o maneirismo da interpretação de Max Monteiro repousa sobre uma “maneira de interpretação” paradoxal, cuja complexidade, natureza artificial e virtuosismo proporcionam seu valor poético. Sua interpretação representa, com efeito, uma mistura heterogênea entre grave sobriedade e insana excentricidade. É quando procura comover que se mostra mais lúdico: quando uma de suas empregadas, Virgínia, recusa seus avanços sexuais, João de Deus molha os dedos em seu copo d’água e asperge as bochechas, para que a moça acredite tratarem-se das lágrimas, frutos de um doloroso desgosto que ele sofrera. A interpretação de Monteiro embaralha ou problematiza diferenças simples entre certos tipos de atuação a priori opostas, adaptando-as às suas conveniências. Podemos, para colocar em evidência esta questão, fazer referência à tipologia delineada por Luc Moullet no seu Política dos atores55. Ele opera uma distinção, cômoda e eficaz, entre o underplay, ou atuação contida, ou seja, a capacidade do ator em interiorizar e apagar de seu rosto e corpo as expressões muito marcantes, e o overplay, ou sobre-atuação, a exteriorização demonstrativa que pode, por exemplo, tomar a forma de um desencadeamento pulsional de violência ou se manifestar sob os aspectos da canastrice. Ora, a particularidade do ator Monteiro56 não consiste apenas, como talvez seja o caso de Harvey Keitel57, em trabalhar as formas da passagem de um registro ao outro. Posta a serviço de um personagem que é um verdadeiro oxímoro58 vivo, a especificidade da atuação de Monteiro é de mesclar simultaneamente, no decorrer das mesmas posturas, o underplay e o overplay, submetendo partes distintas do seu físico a lógicas contrárias. Quando ele alteia o tom de voz e bate o pé em cólera contra uma de suas empregadas, que se recusa a limpar o muro do banheiro coberto de excrementos, João de Deus não deixa de nos transmitir uma impressão de controle total de si, de contenção no comportamento que traduzem a extrema rigidez de seu porte e a impassibilidade mineral de seu rosto. Assim, enquanto a agitação de seu pé demonstra uma forma minúscula e localizada59 de overplaying, o resto de seu corpo se situa no underplay. De forma sutil, ocorre a Monteiro subverter o overplay pelo underplay, atuando com comedimento e mantendo sob retenção as emoções fulgurantes e tempestuosas. Quando Joanninha, tal qual uma aparição60, entra no Paraíso, João vive o evento sob o efeito de um estupor erótico: “senhor João de Deus, jogando seu jornal sobre a mesa e colocando as mãos sobre a nuca, se instalou da melhor maneira que pôde sobre a cadeira, com a intenção irreprimível de “tirar um cochilinho”61, mas reabrindo os olhos,um instante depois de tê-los fechado, encontra-se fulminado pelo esplendor de uma Joaninha , de quem emana cristalina luz. Ao invés de exprimir os trejeitos que exprimiriam a emoção do personagem, João decompõe, como se estivesse em câmera lenta, as micro ações que o levam do repouso-sentado, mãos cruzadas atrás da nuca, pernas alongadas ao longo de uma cadeira- a ficar em pé, rosto de mármore e olhar congelado pelo evento, em um movimento de ereção cujo caráter metafórico não temos dificuldade em captar.A lentidão aqui está serviço de um jogo de deslizamentos, onde a “nonchalance” underplay da execução assume a energia emocional “overplay” que atravessa João de Deus e que, como uma onda, o faz se mover. Trata-se aí de um mini gestus62 , que faz da maneira com que João se inscreve no encadeamento de uma postura à outra o tema fundamental deste plano, uma vez que é ela que o exprime. Deste exemplo e do precedente, vemos que é a lentidão com que Monteiro age que permite ao espectador realizar facilmente a distinção entre o que advém do obverplay e do underplay. Não realmente overplay nem exatamente underplay, o jogo maneirista de Monteiro pode ser qualificado de under-overplay lento.


Cerimônias de Deus.


Este under-overplay lento contribui a transformar as ações afetadas de João de Deus em pequenos cerimoniais, que, quando proliferam, estão na base das grandes cerimônias lúdicas63, estranhas e preciosistas que este personagem afeta e confecciona, dentre as quais figuram a sessão de natação, no apartamento e a cerimônia da champanhe. Nestas cerimônias, João de Deus dá-nos a medida plena do refinamento de suas maneiras afetadas, orientando-as a uma finalidade de sedução. Quando da cerimônia do champanhe, inventada em homenagem à graça travessa da Joaninha, João estende o tempo do processo de sedução, dividindo-o em pequenas etapas que parecem constituir um crescendo em direção à marcha das delícias: vestir-se com um kimono, degustar a Champanhe, fazer a Joaninha tomar um banho de leite, no qual esta deve colocar seu perfume, para que João de Deus confeccione um sorvete que vai levar seu nome, fazê-la provar o sorvete do “Paraíso”, o sumo de sua arte, antes de sentá-la numa rede em forma de “cornucópia” ( corne de l’abondance”), cheia de ovos frescos, para que a menina cure seus problemas intestinais. Cada “estação” da cerimônia a conduz ao ápice de refinamento, com o objetivo de mesclar sutilmente ao prazer do instante o desejo de atingir um instante ainda mais prazeroso, desejo e prazer se amplificando de maneira a serem dispostos diligentemente no tempo. A conseqüência disto é uma “pesquisa” ( recherche) exacerbada do erotismo: Joaninha assume um papel em um teatro64 fantasmagórico, onde as atitudes “amaneiradas” que João de Deus lhe instiga sublimam estas curvas nascentes e ainda incertas. Estas cerimônias são importantes porque nelas as maneiras de agir de Monteiro repercutem65 sobre as moças para as quais são “postas em cena” ( il les met en scéne): graças a estes rituais, estas podem se tornar espécies de bonecas maneiristas, adequadas aos propósitos fetichistas de João de Deus.
A mesma coisa na seqüência da natação no apartamento, onde Monteiro, demiurgo delicado e inspirado, confere ocasionalmente ao seu papel de educador de moças a função de mestre de natação-dançarino. Em torno de Rosário, João de Deus- inventor desta situação que a princípio nos parecera surrealista e incongruente, mas que, à medida em que se prolonga, destila sua beleza- cadenciado por tiques de transe e por élans de calmaria etéria, seduz metodicamente a moça, abrindo e fechando os braços em amplos movimentos, que parecem tanto celebrar a beleza de Rosário quanto entoar um hino à bunda da jovem que ele em seguida vai enrabar. João de Deus dá a impressão de animar o corpo da Rosarinho , iniciando-a aos três tipos principais de nado, a braçada, o crawl e o crawl de costas. Aqui, como se inebriada pelo efeito de uma contaminação estética, a jovem se transforma em marionete maneirista, depositária graciosa de um conjunto de gestos lentos que ela recebe de seu mentor. Cada gesto seu se encontra marcado por uma delicadeza musical que entra em perfeita concordância com as harmonias líquidas e melancólicas da Morte de Isolda de Wagner, que banham toda a seqüência. O gestual maneirista faz-se aqui musical.

Maneirismo do discurso

A lentidão de João de Deus também está a serviço de um profundo maneirismo no discurso, cuja finalidade é essencialmente crítica. Ele usa a palavra e a linguagem de formas singulares. Há, está claro, sua voz arrastada e às vezes quase inaudível que, mesmo quando ele clama por sua “pobre mãe”, ao ver o muro do toilette das mulheres coalhado de merda, destaca com minúcia cada sílaba: ela representa um modo de expressão e de enunciação contrárias às vociferações de Judite, caricatura em forma de ex-puta do patronato sem escrúpulos que é o braço armado do capitalismo. Falar lentamente, para Monteiro, certamente traduz uma forma de ação política. Desta forma, por exemplo: a maneira caricaturalmente lenta com que João lê o discurso interminável sobre seu “savoir-faire” em matéria de sorvetes- escrupulosamente anunciado como breve, a princípio- , discurso infligido à assembléia de canalhas da pior espécie- reunida para assistir ao julgamento de seu sorvete por Antoine Doinel ( Jean Douchet), célebre confeiteiro francês. Esta forma de lentidão acentua o caráter provocador e corrosivo deste texto em forma de diatribe onde ele esculhamba, na presença de alguns de seus representantes, os corpos políticos, religiosos e econômicos: as fórmulas cortantes tem o tempo de ressoar como golpes violentos, mais violentos ainda na medida em que enunciados com tranqüilidade. Mas de forma ainda mais fundamental que o discurso escrito, são as maneiras espontâneas que tem de falar que são profundamente maneiristas no personagem. Assim, ao invés de pronunciar um “sim” franco e maciço, João prefere sempre dizer um “Não digo que não”, tomando o tempo de complicar as afirmações mais simples. Este maneirismo oral culmina em uma fórmula definitiva, que é o: “Eu preferiria não” ( Je préferèrais ne pas”), frase célebre do escriturário Bartleby3t, o perturbador anti-herói de Hermann Melville. Fórmula onde, segundo nos ensina Deleuze66, encontramos o maneirismo em si. Armados com esta fórmula, nenhuma necessidade de outra forma de discurso. Perto do fim do filme, diante da voz tonitruante do açougueiro Evaristo, que lhe ordena “arriar as calças” ( capitular, de forma covarde), determinado a lhe cortar o sexo, ao saber do que João de Deus “fizera” à Rosarinho, João de Deus apenas redargüi com um “Eu preferiria não”, dito com a lentidão que o caracteriza em tudo; portanto, nem no momento de “subir ao cadafalso” o personagem cede67, e se recusa obstinadamente a desmentir o seu modo de vida libertário.


Burlesco da lentidão.


Por ser um personagem feito de excessos, não podemos nos espantar de ver culminar a lentidão maneirista de João de Deus em momentos extremos. O extremo está, por exemplo, na cena em que João, despertado no meio da noite pela patroa Judite, que soa a campainha até o momento em que este vem abri-la, permanece indefinidamente no leito. Na penumbra, após o primeiro toque da campainha, percebemos o corpo de João, que começa a se remexer sob os cobertores.Ao invés de se inquietar ou mesmo se surpreender com o toque da campainha, de se precipitar à porta, João em primeiro lugar acende a luz do abajur, depois, ainda deitado, pega os óculos sobre cabeceira, senta-se sobre o leito e observa a hora, põe sobre o cobertor os óculos e se espreguiça ainda diversas vezes antes de finalmente pôr os pés no chão e sair , titubeante, do campo. Esta sucessão de pequenas ações fragmenta o tempo e nos dá a impressão de torná-lo lento, subvertendo-o por efeito da insistência na lentidão. O corpo de Monteiro, por não estar s serviço de nenhuma narração ( de um ponto de vista estritamente narrativo, esta cena não serve literalmente para nada) assume integralmente, sob o modo do burlesco, a figuração de uma soberana lentidão. Esta impõe sua temporalidade à cena e ocasiona a “estagnação” do filme: a figura da lentidão , ao se exibir, domina.
Semelhante seqüência mostra que um dos pontos de chegada do maneirismo de Monteiro é o que se convém nomear de “burlesco da lentidão68”. Monteiro inventa uma forma singular, talvez única de comicidade, que consiste a renovar o burlesco por excesso de lentidão. A interpretação maneirista de Monteiro é de tal maneira fiel ao burlesco, apesar de assumir uma figura que lhe é a princípio oposta, se, como afirma Fabrice Revaut d’Allonnes, “a obra e o homem burlesco se apresentam como paródias críticas da sociedade contemporânea, industrial e mercadológica, com seu frenesi, sua trepidação, seu super-consumismo”69. Ao invés de figurar e expor ao ridículo a vontade de aceleração do tempo que acompanha as mutações do mundo moderno, ou mesmo “super moderno”70, fazendo o personagem viver sob o modo de uma excessiva trepidação, Monteiro o transforma num ser extremamente deslocado( decalé) 71, cujo modo de vida lento é suficiente para produzir sua função cômica e crítica. Ao desenvolver uma forma de burlesco intrinsecamente maneirista- nos referimos aqui tanto ao maneirismo histórico quanto à interpretação de Robert Klein, pois ambos concluem que a dimensão do excesso72 pertence de direito a esta corrente expressiva- Monteiro, por intermédio de sua incomparável singularidade maneirista, mescla, em um mesmo decisivo gesto cinematográfico, crítica e cômico.
Este burlesco da lentidão culmina no encontro face a face entre João e o açougueiro Evaristo, entre o corpo magérrimo de João de Deus e o corpo pesadamente rotundo, barrigudo e arredondado do açougueiro. A forma burlesca se deixa trabalhar aqui em seu interior, com a insistência do João de Deus em não se deixar executar sem antes fumar um último cigarro. O retorno do mesmo gesto, que atinge o nonsense, de levar, custe o que custar, um cigarro aos lábios, cigarro ejetado da boca do personagem pelo açougueiro com uma mão cada vez mais nervosa, inscreve o cômico da situação num jogo de repetições que transforma o burlesco em uma mecânica distendida e alucinada. O absurdo inerente ao burlesco não perde aqui nada de sua força, mas pelo contrário se encontra multiplicado. Apenas o arbitrário pode pôr um fim- o fato de que não resta nenhum cigarro na carteira- e estancar o delírio de um tempo que não avança, paralisado pelo trajeto da repetição.

Desta forma, João de Deus pode girar o tempo a seu favor, conter seu avanço, adiar o advento de um futuro catastrófico, ao aprofundar o presente em uma infinita lentidão. A lentidão não o salva, pois o personagem vai, de qualquer jeito, “quebrar a cara”.Mas ela representa um meio de resistência que frustra aqueles que decidem afrontá-lo. A lentidão que emana de seu personagem pode levar ao riso, suscitar a ironia ou ser o objeto de uma desprezível suspeição ( no primeiro plano do filme, uma das empregadas suspeita que o patrão não seja lento por natureza, mas sim para atrasar a tudo e todos). É, contudo, uma lentidão que acaba por se impor, e que traduz uma certa forma de nobreza. Ela se oferece como o sintoma mais evidente de uma natureza altaneira que, assumindo os riscos das “maneiras” e do grotesco, impõe na mesma medida o respeito. Não nos é negado inclusive ver nela uma forma superior e aristocrática de carisma.


Notas autor:


1“Maneirismos” em Au hasard Balthazar. Desde este número, o título da revista mudou: chama-se apenas Bathazar.


2 Alain Bergala, De uma certa maneira, Cahiers du Cinema, abril 1985


3 Serge Daney, Cinejournal e Devant la recrudescence des vols de sacs à main

4 Maneirismos, obra citada.

5. Os autores falam de maneirismo genérico tendo em vista os escritos de Serge Daney e Jean-François Rauger, que se inscrevem em “uma linha teórica que vê no maneirismo a vontade de prosseguir com um gênero em decadência".

6.Delorme, De uma estética maneirista. Delorme explicita claramente cada termo da definição: “Uma anamorfose porque o retrabalhamento é fundado sobre a distorção da imagem primeira. Sistemática pois é este retrabalhamento que dá sentido à obra. Obsessiva pelo fato do maneirista nem sempre ter se desvencilhado da imagem originária. De um “motivo” ( ou tema) pois uma figura é destacada da obra original e eleita como objeto exclusivo. Magistral, já que a obra original é uma obra que atinge um grau de maestria e de perfeição inultrapassáveis.”

7. Podemos, com efeito, assinalar que o tom categórico que percorre a maioria dos artigos deste número a serviço da concepção do maneirismo defendida por Delorme, se encontra nuançado por vasto gênero de opiniões, aliás bem explícitas e conscientes. Assim, o título do número, Maneirismos, com um sugestivo plural, sub-entende uma pluralidade de questionamentos, não necessariamente conciliáveis entre eles.

8. Um filme como A comédia de Deus não é de todo estranho a um tal jogo de “relação” ( mise en relation).O filme é recheado de alusões, citações, de piscadelas em relação a obras anteriores ( Los olvidados de Buñuel, Foolish wives de Stroheim, a série dos Doinel de Truffaut). Mas se trata de intertextualidade e de hipertextutalidade, não se trata, em Monteiro, de um trabalho de re-elaboração figurativa.

9.Como escrevem os redatores da revista: “O maneirismo parte de uma figura congelada e, por condensação, deslocamento, anamorfose , estilhaçamento, etc a des-figura ou re-figura”.

10. Para uma análise bem detalhada deste conhecido exemplo, podemos nos referir às páginas de Nicole Brenez sobre “Brian de Palma e os psicotrópicos”. Notaremos, de forma interessante, que a autora não utiliza jamais o termo maneirismo, mas inscreve suas análises no espaço de uma reflexão mais ampla sobre o conceito, criado por ela, de “efeito visual”: Trata-se de um encontro frontal, de um face a face, entre uma imagem já constituída e um projeto figurativo que se consagra a observar, ou dito de outra forma, um estudo da imagem pelos meios da própria imagem”, Da figura em geral e dos corpos em particular.”

11. Para um detalhamento da evolução do termo maneira através da história e uma recensão de seus diferentes usos, ler Alan Rey, “Maneira”, em Le Robert historique de la langue française.

12. Charbonneau. “ A presença amaneirada. "Aproximação fenomenológica das maneiras”, em “Fenomenologia da experiência amaneirada”. Ficamos muito interessados em constatar que esta revista de antropologia fenomenológica, aparecida cinco meses depois do colóquio de Poitiers, desenvolve e pensa, através de estudos diversos, uma concepção do maneirismo em sua dimensão amaneirada. Georges Charbonneau analisa a experiência amaneirada através do que ele nomeia os “quatro núcleos fenomenológicos”: a dissimulação sofisticada, fazer uma pose, a “deferência preciosista” e a “presunção empertigada”.

13. Podemos achar também nos escritos de Alain Bergala, no campo da crítica cinematográfica, assim como em W. Friedlander, no domínio da história da arte pictorial, um uso depreciativo do termo “amaneirado”. Walter Friedlander em Maneirismo e anti-maneirismo e Bergala op. Cit.

14. Argumentando a favor de sua concepção de maneirismo, os redatores da revista escrevem: “O sentido do maneirismo, sua invenção e seu valor encontram-se unicamente aí. O resto é anedótico”.

15. Richard Klein, A forma e o inteligível,

16. Por ser não-histórica, isto é, construída fora de toda referência direta com o maneirismo pictorial, esta definição é particularmente apta a interessar o cinema.

17. Klein insiste no caráter formal desta definição: ela não visa a dizer a verdade da arte, mas a dar conta da arte unicamente na medida em que esta se relaciona com a técnica.

18. É conveniente aqui precisar que os efeitos constituídos pela obra de arte fazem efeitos justamente para um espectador. É a razão pela qual Klein considera que “cada artista deve, na medida ( evidentemente variável) em que este “visa” aos efeitos que produzirá sua obra, interiorizar o espectador intersubjetivo ou universalidade que sofrerão seus efeitos”.

19. Ibdi, op. Cit.

20. Klein precisa: “Se uma maneira é virtualmente arte, é em primeiro lugar porque arte, segundo certas concepções correntes da expressão, é uma maneira de fazer alguma coisa”.

21. ibdi, op. Cit.

22. ibdi, op. Cit.

23. “Os movimentos preciosos, as atitudes cultivadas, a linguagem florida ou empolada, e em geral toda conduta artificial ou induzida pela interiorização de certos espectadores imaginários correspondem a esta definição” .

24. Ibdi. P. 392

25. Precisemos que Klein fala indiferentemente de maneirismo e de amaneirado, mas não de “maneirismo amaneirado”. Não cremos, no entanto, estar traindo seu pensamento ao utilizar esta contração num sentido positivo.

26. Ibdi. P. 393
27. Ibid. p. 393.

28. D. Arasse, “Conversação com Daniel Arasse” em Simulacros 2.

29. Para Daniel Arasse, esta definição do maneirismo, por mais justa que seja até certo ponto, é muito formal. Ela não dá conta do que , segundo ele, constitui a particularidade do maneirismo pictorial, categoria não apenas conceitual mas ancorada na história da arte e na História simplesmente: ser uma arte ligada a uma dupla crise- crise e contestação dos meios de representação clássicos de uma parte, mas também, e talvez sobretudo, crise de confiança na política de outro lado. Mas o maneirismo é apenas a constatação de um estado de crise: ele busca, e é isto o que para Arasse constitui sua singularidade, trazer uma resposta a esta crise. As reservas de Arasse são evidentemente relacionadas a seu ponto de vista de historiador da arte e sua vontade de remontar às origens do maneirismo pictorial, ao que o funda: não há uma única razão para que estas sejam aplicáveis in extenso em relação ao campo do cinema. Apesar disso, veremos que o maneirismo de Monteiro não é destituído de dimensão política. É necessário então sublinhar que Klein refuta frontalmente a acusação de formalismo feita à sua concepção de maneirismo: “Esta definição do maneirismo ou do amaneirado não é mais, em nossa opinião, exterior, descritiva ou formal: “é a primeira, entre todas as que propomos aqui, que nos parece isenta deste defeito. O maneirismo é verdadeira e essencialmente uma “arte da arte”, enquanto que a arte não é, verdadeira e essencialmente, “a atenção prática dirigida ao como objetivado sob o ângulo da produção de efeitos”. Em outros termos, o maneirismo supõe e leva a sério uma “definição formal e exterior da arte” ( sublinhado pelo autor).

30. digamos “relativamente concernido”, porque as fronteiras do maneirismo pictorial nos parecem amplas, até mesmo flutuantes. Assim, Arasse considera, como bem o indica o titulo de sua obra consagrada à questão, que, longe de representar uma decadência do Renascimento, o maneirismo participa consubstancialmente do Renascimento: “é, finalmente, toda Renascença que é maneirista”. D. Arasse e A. Tönnesmann, A Renascença maneirista.

31. Bergala resume perfeitamente este ponto: “[O maneirismo histórico] se caracteriza pela percepção que puderam ter pintores como Pontormo ou Parmigianino de terem chegado “tarde demais”, depois de um ciclo da história de sua arte ter sido cumprido e um certo nível de perfeição sido atingido pelos mestres que os haviam precedido há pouco, como Michelangelo ou Rafael. A “Maneira” constituiria uma das respostas possíveis ( com o Academismo e o barroco) a este passado próximo esmagador”.

32. A contribuição mais original de Stéphane Delorme na reflexão sobre o maneirismo é sem dúvida ter mostrado que os cineastas representativos da concepção de maneirismo que o interessa ( de Palma, Peckinpah, Argento) devem, violar, enfear, ou até mesmo destruir o tema magistral originário para terem a esperança de poder fazer surgir novamente a beleza.

33. No decurso de seu estudo, Klein não hesita em tomar exemplos em formas artísticas bem diferentes.

34. É a razão pela qual Robert Klein, se bem o compreendemos, parece ver no “virtuosismo” um elemento constitutivo do maneirismo: “O virtuosismo é (...) uma primazia acordada a uma meta-técnica, a técnica da produção das formas que produzem efeitos. O que conta então para a consciência não é mais o como da obra ( sua forma), mas o como de sua produção. O virtuose, digamos, não “comove” ( o efeito direto das formas é diminuído), mas suscita a admiração ( o efeito que tem primazia é produzido por um “objeto” não sensível que age indiretamente: a habilidade do executante).

35. Para retomar o termo usado por Michel Chion

36. Klein, com efeito, precisa esta nota: “Por pura convenção do vocabulário, que podemos negligenciar aqui sem prejuízo, a afetação tomou, na maioria de suas acepções correntes, o sentido pejorativo de uma inter-subjetividade fracassada, onde o personagem afetado empresta ao espectador que ele interioriza sua própria falta de gosto; daí o ridículo desta conduta. Mas para a definição essencial da afetação, basta sublinhar a objetivação da maneira- um ato neutro do ponto de vista dos valores, e que pode ser bem ou mal realizado, mas que implica sempre ( daí sem dúvida a prevalência do sentido pejorativo) um certo artifício: o obscurecimento do but ( fim, objetivo) natural”.

37. Por exemplo: um ator que se prepara a interpretar uma explosão de cólera. O problema não está para ele em se pôr em cólera, mas de fazer de tal maneira que sua explosão seja vista, que seja clara, eficaz, que evite o lugar comum, etc; ou seja, é preciso que o ator chame a atenção para seus efeitos, que ele interiorize o espectador”.

38. art. Cit. P. 76

39. O que preexiste à expressão da figura é o “modelo inteligível” que a figura se encarrega de tornar manifesto. Sobre a relação entre figura e modelo inteligível, ver cf. infra.

40. Segundo Monteiro, Le bassin de John Wayne, rodado entre as duas partes do deste díptico, era em realidade previsto para ser realizado antes da Comédia de Deus. Com o recuo do tempo, Monteiro considera aliás este filme com muita severidade: segundo ele, “é um filme de alcoólatra, rodado num estado de embriaguês permanente”. Ele romperia portanto, a ligação entre A Comédia de Deus e Bodas de Deus. Cf Emmanuel Burdeau, “Não ceder um único pêlo, entrevista com João César Monteiro”, Cahiers du Cinema, dezembro 1999.

41. Ou seja: transformada em um fast-food do ice-cream, onde vicejam toda espécie de Pom Pom Girls.

42. A última frase é de Balzac, retomada em sua Théorie de la Démarche ( 1833).

43. Um plano precede este, que serve de fundo aos créditos do filme: o plano cósmico de uma galáxia que efetua evoluções lentamente, acompanhadas por uma música religiosa de Monteverdi onde exultam algumas aleluias. Pelo conjunto possuir um caráter extremamente majestoso, este plano pode sem dúvida passar por uma prefiguração do “movimento lento essencialmente majestoso” de João de Deus.

44. Nosso agradecimento a V. Campan por sua releitura crítica do artigo que nos permitiu precisar este ponto.

45. Erich Auerbach. Figura

46. O. Schefer, “O que é o figural?”
47. Op. Cit. P. 915
48. Pascal, Pensamentos. Para Pascal, toda a Natureza é figura, na medida em que tanto encerra quanto revela Deus, e apenas aqueles que possuem fé se encontram capazes de decifrar esta “ausência e presença de Deus” em um mundo literalmente figurativo.

49. Segundo a expressão de H. Damisch sobre a importância da noção de ritmo nos escritos de D. Païni. Damisch, A imagem-ritmo, prefácio à obra de Païni, O cinema, arte moderna.

50. S. Goudet considera, por exemplo, que a “própria duração dos planos (...) parece às vezes “forçada” na primeira metade pela necessária homogeneidade do projeto ou pelo “autorismo” do cineasta. S. Goudet, A comédia de Deus, Rigor e fantasia em Positif, fevereiro 1996, p.22

51. É preciso entender a idéia de fraqueza das ações, no sentido em que raros são os atos que implicam em repercussões narrativas maiores.

52. Não seríamos obrigados a concluir, no entanto, que o sentido da lentidão seja privilégio da idade na Comédia de Deus. Há personagens maduros que agem com precipitação. Assim, se a velha dama com a taça de sorvete se indigna com a velocidade com que as jovens, neste momento na loja, abocanham seus sorvetes com grandes lambidas indelicadas de língua, a maneira com que o açougueiro Evaristo se precipitava violentamente diante das provocações do “selvagem” deixara, sequências antes, João de Deus desconcertado e sem voz.

53. João César Monteiro utiliza este nome Max nos créditos da Comédia de Deus em relação específica a seu trabalho de ator. A ressonância com Max Schreck- o intérprete do conde Nosferatu no filme de Murnau- não é fortuita. Jean Louis-Leutrat havia, a propósito de Recordações da casa amarela, notado e analisado em suas repercussões fantásticas a semelhança entre o físico de João de Deus e do vampiro. Jean-Louis-Leutrat, Vida dos fantasmas. Ver também sobre este ponto o que o próprio Monteiro diz, em sua entrevista com P. Hogson, “Entrevista com um vampiro, encontro com João César Monteiro”, Cahiers du Cinema, fevereiro 96, p.33.

54. Por prazer da anedota, notamos que João de Deus compartilha este traço singular com o escritor M. Houellebecq.

55. Luc Moullet, Política dos atores. Se Moullet se interessa unicamente a quatro grandes atores americanos ( Gary Cooper, John Wayne, Cary Grant e James Stewart), a distinção que ele opera em seu prefácio é uma distinção geral, que funciona fora do contexto americano.

56. João César Monteiro, a maior parte do tempo reservado, às vezes se deixa levar por surtos de agitação desarvorada. Sublinhamos o momento na piscina em que ele reúne no vestiário as moças que levara para a piscina. Antes de se engolfar pelas escadas que vão conduzi-lo a elas, ele adota uma postura mefistofélica, levantando os braços acima da cabeça e agitando seus dedos em castanholas , tal qual um abutre rompendo sobre as presas, que pertence puramente ao overplay. Ainda mais também na cena em que mergulha a cabeça na cornucópia com os ovos na qual Joaninha havia sentado antes. Ele torna-se pouco a pouco uma criatura fantástica, que deixa livre curso à sua canastrice e tem desejo de fazer, literalmente, qualquer coisa. Este traço é levado até o extremo em Le bassin de John Wayne quando, de pé e nu, urina diante da câmera, ou quando ele tagarela de forma interminável, em cena anterior, bebendo num chopp em forma de falo.

57. Ch. Ortoli. “Les déchirures du male”, A propósito de Harvey Keitel, Lettre du cinema

58. S. Goudet, sem se dirigir exatamente ao jogo “atoral” de Monteiro, sublinha a importância da figura do oxímoro para dar conta do personagem de João de Deus: “No cineasta português, o oxímoro não visa emaranhar as referências entre o real e o imaginário, mas a tornar mais complexo um personagem que, não sabendo distinguir o nobre do ignóbil, o alto e o baixo, toma literalmente seus desejos por realidades. (...)Este maníaco da aplicação da ordem e da limpeza tem, no entanto, por outra característica, uma atração obsessiva pelo interdito, o sujo, o obsceno, e um gosto fortemente pronunciado por matérias excremenciais. A conjugação destas duas tendências contraditórias explica e constitui a personalidade deste ser estranho, em quem coexistem e se mesclam, como em um banho de leite mareado de urina, a impureza e a pureza.”. Não podemos concordar em sua totalidade com este comentário de Goudet. João de Deus não nos parece, em efeito, incapaz de distinguir entre o nobre e o ignóbil: ele possui sobretudo uma outra concepção do nobre, distinta da comum. Mas podemos reconhecer a importância do oxímoro neste filme.

59. Embora localizada, não menos importante. A arte poética de Monteiro é também uma arte do detalhe.

60. Para aprofundar a intensidade desta aparição, Monteiro aplica aqui o princípio bressoniano do efeito anterior à causa. Ele escolhe primeiro mostrar o personagem que reage à visão de Joaninha, antes de nos mostrar a própria visão resplandecente. Sobre a importância do efeito antes da causa para o cinema, Pascal Bonitzer, Le champ aveugle.

61. João César Monteiro “Que Dieu me vienne en aide”, Traffic, 1991. Outra marca de seu gosto pela afetação, Monteiro assina este artigo fazendo preceder seu nome de uma partícula, o que contribui a tornar mais incerta ainda a distinção entre João de Deus e ele. Além do mais, veremos também aí uma homenagem ao Marquês de Sade.

62. Sobre o gestus, Gilles Deleuze, A imagem-tempo.

63. é a razão pela qual João de Deus pode brincar com as palavras e, propondo à Joaninha vestir seu quimono de seda para participar da cerimônia da champanhe, pode sublinhar que, embora seja conveniente vestir-se para a cerimônia, a casa não é tão cerimoniosa assim.

64. Antes de fazer Joaninha entrar na grande peça do apartamento na qual vai se desenrolar o essencial da cerimônia, João de Deus abre uma grande cortina em duas pans, com a intenção de fazê-la entrar literalmente em cena.

65. Os comportamentos amaneirados são, de qualquer forma, uma constante na Comédia de Deus, e se encontram aqui e lá, se podemos dizer, em outros personagens.
O exemplo mais manifesto aqui é o de Judite, a patroa de João, quando, instantes antes da abertura de degustação do sorvete por Doinel, desce uma escada com o braço esquerdo elevado, a mão derreada, de maneira tão gratuita, formal e afetada quanto esta posição é a mesma assumida por um personagem pintado no muro diante do qual ela passa e estaca um instante.

66. Deleuze, Crítica e Clínica.
67. Para retomar o título da entrevista dada por Monteiro em Cahiers du cinema por ocasião do lançamento das Bodas de Deus.

68. Sem estarmos absolutamente seguros, parece-nos que esta expressão é perfeitamente apropriada para Jean Michel Frodon.

69. F. Revault d’Allones, “O Homem burlesco”. Em Jacques Aumont ( dir.) A invenção da figura humana, o cinema: o humano e o inumano

70. Sobre a percepção de aceleração do tempo como uma das três figuras do excesso características da “sobremodernidade”, ver Marc Augé, Não-lugares , introdução a uma antropologia da sobremodernidade.

71. Sobre isso, notaremos que o retrato pintado por d’Allones se aplica como uma luva a Monteiro:”um ar estranho,(...) e uma natureza estranha, que intriga (...). uma figura de inadaptação à sociedade en décalage, que mantém com o mundo uma relação, assim como este a ele, individual e portátil, que fascina. Um inadaptado que, no entanto, pode se adaptar a toda profissão, todo meio social, toda situação, apesar de permanecer inalienável. Um indivíduo que vem de lugar nenhum e que vai para lugar nenhum”.

72. A idéia de hiper-arte, destilada por Klein, tanto quanto a ligação que estabelece entre o virtuosismo e o maneirismo, convida-nos a considerar que o maneirismo é portador de uma dimensão de excesso. Dentre os traços definidores do maneirismo pictorial, se encontra a idéia de que “a graça excede a medida”.


Notas do tradutor:

1. Que Dieu me vient en aide : Em francês no original. Paráfrase irônica com o título de um dos capítulos das Meditações de Descartes, De Dieu qui vient à l’idée.

2. Inciptu: consiste nas primeiras palavras de um texto literário ou nas primeiras notas de uma partitura. Um parágrafo introdutório, explicativo.

3. Bartleby, o escriturário, uma história de Wall Street: Novela de Melville, publicada em 1853, e que, segundo o autor, fora em parte inspirada pelas idéias de Ralph Waldo Emerson, sobretudo seu ensaio, O transcendentalista. Contratado num escritório próspero como escriturário, Bartleby é um personagem que se recusa a cumprir qualquer dever ou atividade que lhe são prescritas no trabalho, respondendo sempre com um “I would prefer not to”. Tão radical é a singular intransigência que este acaba por morrer de fome, com o indefectível: “ I would prefer no to”.O personagem é analisado por Deleuze em seu Crítica e clínica, num texto chamado “Bartleby, ou a fórmula”.




Fabien Boully

Tradução: Luiz Soares Júnior

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