terça-feira, 4 de dezembro de 2012

O crime do senhor Lange de Jean Renoir




O personagem mais cativante de todos é Batala. Sua existência, que poderia parecer paradoxal no roteiro, se afirma na tela por meio de uma invenção de gestos e um virtuosismo no falar onde vemos Jules Berry, impulsionado por Renoir, demonstrarmo-nos que a coerência de um personagem que não exprime o que pensa é difícil de se manter, e sobretudo exige um controle constante da tentação de brilhar por brilhar. Berry representa diante de nós em escroque mestre com tamanha felicidade expressiva que não podemos impedir-nos de pensar que Renoir, que lhe proporciona uma energia tão contagiante, prefere- como pretexto estético- o personagem do vilão à coletividade operária que os movimentos destes anos 30 levavam para diante de sua câmera 1. É mais excitante para um cineasta mostrar personagens maus que reprovamos, ou cujo comportamento nos é intolerável, que personagens que se comportam bem. E é penoso- quer façamos filmes ou como espectadores- ver e escutar personagens constantemente vítimas das circunstâncias e que nunca tiveram nada a “ver com o pato”. É em parte por este motivo que  a maioria dos filmes com temática social nos dias de hoje não apenas são intrinsecamente ruins, como acabam por nos tirar todo o prazer pela vida, pouco conhecedores das engrenagens que regulam a máquina humana.2 A glória universal de Chaplin nos permitiu rever e descobrir os sublimes Luzes da cidade e Um rei em Nova York, onde este problema se encontra posto e  resolvido- ou antes: de antemão resolvido, como se o fato de necessitar colocá-lo enquanto tal representasse uma incapacidade de detectar o que a rigor não existe.

O que assombra Renoir- sabemos desde Douchet e Rohmer, e verificamos revendo seus filmes- é a mobilidade e a metamorfose. Ora, quanto mais um personagem detém o poder- ou aprende a deter- de se transformar, menos dificuldade ele sente em se mover, mais seus gestos se expandem, seu corpo cresce mais livremente, e mais a câmera deve aprender- retomando aqui uma imagem proposta por Renoir- a “se virar”3. Os personagens que o cativam ora são indivíduos que se espraiam para fora da lei, que “impacientam” o quadro: patrões e escroques, mendigos, predadores e marginais - Boudu, Batala, Renoir na Regra do jogo, Opale...; ou pelo contrário, são indivíduos aprisionados no espaço, impossibilitados de se mover: os prisioneiros da Grande ilusão, os do Caporal épinglé, os imigrados da Marselhesa, os resistentes de Vivre livre. E fazer um filme, para Renoir, é atar entre si múltiplos movimentos contraditórios- o dos atores, os da cena, contando com a escanção, sempre autônoma, da câmera- e mostrar, talvez por intermédio desta operação, que o que se tomava pelo real e se cria duro como ferro se metamorfoseia subitamente em uma representação, onde cada personagens, em graus diversos, desempenha um papel e permite, cedo ou tarde, que se manifeste o aparato teatral- as bonecas vivas da Pequena vendedora de fósforos, o personagem do vice-rei na Carruagem de ouro, e tantos outros personagens até aqueles do “Último réveillon” no Pequeno teatro de Jean Renoir.

É vão pensar os filmes de Renoir- assim como os de Rossellini e de Godard- em termos de obra-prima. A perfeição jamais o requisitou ou estacou. Vemos em obra o trabalho de duas direções contraditórias, até mesmo incompatíveis. De um lado- e isto se verifica sobretudo nos primeiros filmes- a afirmação quase experimental de um material bruto  -cujos ápices me parecem ser La nuit du carrefour, Madame Bovary e Toni; mas os outros que apresentam este aspecto acre e nu permitem ver com uma bela indiferença resíduos de “costuras” do roteiro, certas atitudes coquettes dos atores, às vezes cacoetes um tanto fáceis de autor. Este material é um voluptuoso “rompedor” de cadres e de regras; por outro- isto torna-se cada vez mais claro em meados de 1940-, temos uma representação deliberadamente condensada da realidade atravessada pelo sentimento moral e filosófico provisoriamente experimentado por Renoir, pelo menos até o ceticismo cósmico do Rio sagrado, onde os personagens às vezes exprimem muito claramente uma consciência aguda de suas próprias vidas, consciência que nos filmes da primeira fase só lhes era acordada em pequenas doses e à distância. Os ápices desta segunda fase seriam O Diário de uma camareira, Vivre libre, O Rio sagrado, French-cancan, O testamento do doutor Cordelier, Le caporal épinglé e O pequeno teatro de Jean Renoir.

Para tornarmos ao Crime do senhor Lange, encontramos aqui belos exemplos de “material bruto” interrompidos por alguns momentos de esquematismo ou de complacência -o personagem interpretado por Brunius, a seqüência do padre verdadeiro no trem- devidos a uma certa demagogia laica da época, além de “cacoetes de autor” de Prévert que infelizmente não incomodaram Renoir; mas a última meia hora- o desaparecimento e o retorno de Batala-, que anuncia o desregramento social da Regra do jogo, retornando a seu favor a imagem desprezível contida na expressão “fazer seu circo” ou “fazer seu cineminha”, prepara uma síntese apaixonante de todos os tipos de teatro que os filmes seguintes vão retomar e desenvolver.



Notas:

1. Renoir está mais inspirado na Marselhesa; menos “esmagado” por seus atores, ele busca aqui o realismo, a verdade histórica e seus personagens. E sua simpatia por eles, mais equilibrada, mostra-se também mais forte. Como também em Toni. Lange é com efeito um rascunho de Cordelier.

Se Chaplin e Stroheim assombram o imaginário cinematográfico de Renoir, Anderson e Stevenson são seus inspiradores ficcionais mais profundos. 

2. Eles apostam numa distribuição unívoca das responsabilidades, ilustram uma visão ideológica da realidade, pouco se importam com a verossimilhança dos personagens e só retém dos filmes anteriores os efeitos anedóticos.


3. Faire le bouchon: A se adaptar ao jogo móbil e  flexível dos atores, a mover-se e dançar com eles. 



Jean-Claude Biette, Cahiers du cinéma, número 297, fevereiro de 1979. Republicado em A poética dos autores.

Tradução: Luiz Soares Júnior.



sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Monsieur Verdoux



O mais intrigante dos filmes de Chaplin; seu caráter enigmático- ninguém pode se vangloriar de ter exatamente captado o sentido do filme- preservou-o intacto do envelhecimento. Uma parte do enigma reside na relação existente entre Verdoux e as diversas encarnações passadas de Carlitos. A priori, o vagabundo e o assassino de mulheres não possuem nada em comum. Porém, um exame mais atento revela que sim. Verdoux conserva ao menos duas características de Carlitos, uma débil e inútil, a outra monstruosamente intensificada. Como Carlitos, Verdoux é um ser sensível, dotado de compaixão, mostrando em certas ocasiões um grande coração. Ele possui também o sentido da adaptação social e a ferocidade de Carlitos, tão característica dos primeirtos curtas. De fato, ele estende à sociedade o seu espelho: negocismo diabólico, destruição, exterminação. "Von Clausewitz afirmou que a guerra era uma extensão lógica da diplomacia. Monsierur Verdoux pensa que o assassinato é a extensão lógica dos negócios"( comentário de Chaplin pouco antes do lançamento do filme). Verdoux é o produto lógico-e  lúcido- da sociedade e da época onde vive. Justamente porque Verdoux é um personagem lúcido- que ele se refrata e se contempla agindo-, é que o filme pode tornar-se cômico. Sua comicidade está mais próxima de De Quincey que do humor inglês tradicional, e dá a este retrato de assassino uma dimensão profundamente perturbadora, em particular em razão desta estranha serenidade que o herói manifesta em seus crimes, no seu processo e diante da morte. Sem dúvida, ele se concebe como inocente, e Chaplin não está longe de compartilhar seu ponto de vista. 

A idéia de Verdoux veio a Chaplin pelo intermédio de Orson Welles, que projetava filmar uma vida de Landru. Welles pediu a Chaplin para interpretar o papel principal. Mais tarde, Chaplin retomou o projeto por conta própria, e creditou Welles nos créditos para evitar toda acusação de plágio. Ele trabalha no roteiro de novembro de 42 a maio de 46. A  filmagem se desenrola num rompante em 77 dias, com um ultrapassamento mínimo- para Chaplin!- de 17 dias em relação aos 60 previstos. Pela primeira vez em sua carreira, Chaplin utiliza e respeita um plano de trabalho. Ele recorrera à colaboração técnica de Robert Florey, que foi sem dúvida em parte responsável por esta unidade e rapidez da filmagem, até aí desconhecidas de Chaplin. Este pensara em engajar Edna Purviance, sua primeira parceira, no papel de Madame Grosnay. Ela falta aos ensaios, e  é substituída por Isobel Elsom. O filme obteve um sucesso comercial medíocre nos Estados Unidos e um sucesso de estima na Europa. ( Nos Estados Unidos, as reações oficiais muito negativas terminaram de realizar o divórcio entre Chaplin, acusado de comunismo,  e o país). 

Incrivelmente surpreendente em relação ao que se esperava dele- como aliás foi o caso de todos os seus longas metragens- , Monsieur Verdoux desta vez ia longe demais para poder ser compreendido e assimilado imediatamente. Sua audácia, embora menor que a do Grande ditador, consiste na relação do filme com sua época. O filme é situado nos anos 30, mas a imensa perturbação que testemunha demonstra até que ponto Chaplin não digerira a Segunda Guerra mundial. Lemos em filigrana o quanto a decadência geral dos valores do antigo mundo o haviam afetado e transtornado. A isto se somam evidentemente , para intensificar sua amargura, certos eventos de sua vida privada e as campanhas difamatórias a que haviam dado pretexto. 
No plano formal, seu domínio permanece o mesmo, mas aqui com um caráter confinado, uma voluntária estreiteza, uma tendência à abstração- em particular pelo uso intenso da litote (elipse)-que se conjugam bem ao clima de asfixia moral do filme. Os diálogos possuem uma extrema importância: eles permitem, sobretudo nas cenas espantosas com a jovem desesperada, a alternância entre o pessimismo e  o otimismo de Chaplin, captados num equilíbrio particularmente instável. E é unicamente pelo diálogo que este velho inimigo do cinema falado consegue imprimir um diapasão original a certos detalhes, certas cenas, como aquela da florista confusa pela corte insistente que Verdoux faz ao telefone a Madame Grosnay. Monsieur Verdoux se caracterize enfim por uma verve cômica negra, muito caricatural, que emerge por exemplo nas cenas onde figura Martha Raye ( seu papel tinha sido escrito por Chaplin especialmente para ela). Isto não impede o conjunto dos retratos femininos de possuírem uma tal variedade de nuances que foram com frequência subestimadas. É certo, Monsieur Verdoux se coloca antes de tudo como jeu de massacre. No entanto, a permanente tentação humanista de Chaplin ainda se manifesta, frágil luar flutuando sobre um oceano de cinismo e  derisão.

Jacques Lourcelles, Dicionário de filmes, páginas 978-979

Tradução: Luiz Soares Júnior


quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O sentido da História




Poderíamos , depois da Revolta dos gladiadores, pensar o que quiséssemos de Cottafavi. Por mim, não pensava lá grande coisa. No entanto, a visão de Legiões de Cleópatra suscitou o prazer da surpresa, acrescido da satisfação singular que difundem em nós as obras que os autores tiveram um grande prazer em criar. Já havia na Revolta um senso seguro da cor, do gesto e da situação no espaço, mas que ali apenas davam- ou me pareciam dar- na criação intermitente do que se chama um “belo plano”. As mesmas qualidades aqui fazem mais do que unificar a anedota; elas a criam. Não se contentam apenas em ilustrá-la- elas a constituem e vão até o ponto de transformar a história que nos é contada em História.

As ligações entre as linhas e as tonalidades nesta sequência de digressões, de fantasias sobre temas romanos, são em si mesmas e em todos os sentidos do termo, uma trama. Criam uma linguagem imediata onde o signo nos basta, por conter em si a expressão total do que é. O papel desta linguagem aqui é imprimir diretamente em nós este sentido da História mítica que, mais verdadeira que a verdadeira História, tem necessidade para ser traduzida da supra-verdade de uma linguagem “colorida”, que reencontra os valores mágicos, místicos da linguagem pré-conceitual. É a “romanidade” lendária, encontrada pelos meios que criaram o “americanismo” lendário do western. O gesto elementar do herói de epopéia, relocado na rede de rimas, assonâncias e correspondências que devem lhe conferir toda a sua ressonância, já constitui em si uma Gesta.

Com frequência- e abusivamente- aproximou-se dos westerns uma série de filmes de ação que só entretinham com este semelhanças superficiais. Aqui, pela primeira vez talvez na Europa, estamos diante de um filme profundamente “westerniano” em seu espírito e linguagem, em sua forma de apreender as relações humanas por meio de uma totalidade brutal em que todos os elementos são provocantes e só toleram- covardia ou heroísmo- as peripécias mais extremadas.

Semelhante visão do mundo exclui tanto a ironia quanto o distanciamento, mas não o humor, nem o traço dito “forçado”, nem sobretudo um certo sentido do 'absurdo': trata-se, em suma, de captar a desenvoltura dos fatos.

O extraordinário início do filme já o traduz. Aos créditos se sucedem três cartões preenchidos até a borda de informações históricas. Isto serve de introdução a exuberantes variações sobre o modo de ser da multidão que se agita nas ruas e nas tavernas com brigas, discussões, vadiagens casuais, e sobretudo rondas pelo mercado dos escravos. Um diálogo apanhado no ar se incorpora aos gestos como uma dimensão suplementar de sentido. Para ficarmos no mercado: “Este se destina a um outro uso”, diz o mercador, apresentando um jovem rapaz, depois de ter louvado as qualidades de uma mercadoria feminina. Aqui, como sempre, é ao se abandonar constante e totalmente à alegria de dizer e de mostrar que Cottafavi consegue concentrar no mínimo de tempo o máximo de significação.

Neste jorrar contínuo, este ardor exuberante de ideias, de achados, seria fácil achar outros lances de gênio, senão para demonstrar, ao menos pelo prazer de contar ( e esta seria talvez a melhor forma de chegar a uma demonstração), mas renuncio. Notarei, no entanto, a trajetória desta flecha cuja partida e chegada são classicamente filmadas em planos separados e onde subitamente, por efeito de uma reviravolta que representa tanto uma piscadela de olho para nós ( clin d'oeil) quanto o sentido mais esmerado do crescendo, Cottafavi nos mostra por fim no mesmo plano a chegada e a partida.

De Cleópatra direi algo também. Dela, só víramos num primeiro relance os olhos incorporados à máscara de uma estátua; mas quando, na cena na taverna, vemos a dançarina mascarar seu rosto com as mãos, só deixando aparecer os olhos, somos maliciosamente levados a identificar à bela princesa do palácio a mulher que acabara de se dar ao desfrute nos inferninhos ( bas-fonds) da cidade.
Falei no começo de “linguagem pré-conceitual”. Ilustremos esta dimensão do filme. Depois do diálogo de Augusto, em toga branca, sob uma noite constelada de fogos, uma legião desgrenhada introduzirá em diagonal as legiões brancas de César nas legiões encarnadas de Antônio, o republicano, que ao cair da noite acabarão aprisionadas em um círculo de fogo.

Vários desvios, um único movimento. Estranhos orifícios nos muros, pelos quais a voz se introduz para estabelecer insuspeitáveis comunicações. Através dos quais nós também parecemos passar , graças a um extraordinário movimento de câmera, por simples que seja. Simples também é esta forma que a câmera tem de selecionar, durante um diálogo, os interlocutores presentes, alternando recuos e precipitações que possuem a harmonia de uma respiração.
Uma harmonia que não teme de forma alguma a ofegância das corridas sincopadas, entremeadas de paradas súbitas, de saltos ou de retornos- que sabe o preço destas excrecências vitais a que se chama de “tempos mortos”, mas teme a morte induzida pelo excesso de languidez. Mal estes intermináveis e clássicos diálogos de amantes , -necessários tempos fracos que é preciso introduzir em todo filme de ação-, parecem se instalar no filme, “cut!”, voltamos novamente à ação.
Menciono para terminar a sensacional interpretação de uma insólita Cleópatra e de um carro puxado por dez cavalos. Cleópatra morrerá sobre seu trono, petrificada sob a máscara da realeza, depois de Marco Antônio ter transformado sua morte em uma admirável sinfonia em vermelho, onde despejou tudo o que possuía de heroísmo e desespero.

Pois também há isto: Marco Antônio e Cottafavi souberam encarar a morte como poetas e republicanos.



Michel Delahaye
Cahiers du Cinéma, 111. setembro 1960.

Tradução: Luiz Soares Júnior.


segunda-feira, 18 de junho de 2012

Nem tão simples assim




O fenômeno maior de evolução do cinema nos anos cinqüenta terá sido- com o necessário recuo- não o cinemascope, mas a invasão das técnicas e técnicos da televisão em nossas telas. Uma história simples, com o grande filme de Renoir1 e o caderno de viagem de Rossellini na Índia marcarão uma mudança decisiva em nosso horizonte, afirmando a tomada de consciência , em todos os níveis ( técnico, econômico, social e estético) da importância da tela pequena no processo hoje generalizado de liberação da criação cinematográfica de inumeráveis servilismos, complacentemente alimentados pelos profissionais da área- sindicalistas, técnicos, montadores “que procuram pêlo em ovo”.2

Antes de tudo, o fato capital: com cerca de 300.000 francos, uma mãozinha da TV francesa que empresta o material e paga a película, os atores que oferecem sua colaboração graciosamente, mais o tradicional crédito oferecido pelos laboratórios, Marcel Hanoun realiza em 16mm- por razões estritamente econômicas, os custos reduzidos pela metade- um média metragem que segundo o sistema normald e filmagem teria custado pelo menos dez milhões de francos. Com os aperfeiçoamentos técnicos que os independentes de Nova York nos deixam entrever como iminentes, a câmera-caneta ( câmera stylo) sai do domínio da ficção estética para o das realidades bem concretas. Mas o essencial consiste no fato de que esta liberação no domínio das “estruturas”, para empregar a  linguagem cara a Jean Domarchi, venha acompanhada por um questionamento total das “superestruturas”, tal como definidas por Cesare Zavattini e Paddy Chayefsky. O realismo triunfa incondicionalmente- não mais em intenções, mas nos atos. O cotidiano atinge uma espécie de objetividade superior, sem deformação masoquista; a câmera concerne ao homem desnudado. O estilo da TV e a implacável ascese formal de Hanoun são os responsáveis.

Da televisão, o filme absorve o contato imediato, a visão microscópica, o sentimento que afeta cada espectador de estar envolvido no drama. Depois de Welles, aplaudamos a pequena tela, que recria a intimidade romanesca indispensável a este retrato diante do espelho. E sobretudo Marcel Hanoun adota um partis pris moral que pessoalmente não aprovo, mas que ele sabe admiravelmente levar às últimas conseqüências: sua história nos é contada com o tom lancinante e o distanciamento absurdo que fizeram a  reputação do Estrangeiro de Camus. O famoso imperfeito do indicativo, transposição literária do tédio, encontra aqui seu equivalente na monotonia ininterrupta da narrativa, a sensação de errância e de claustrofobia engendradas pelas imagens admiráveis, a eventual repetição ad absurdum do movimento ( exemplo: a jovem diante de um muro, anda para a esquerda, depois volta pela direita), como Welles aliás tinha tentado fazer na cena do jantar em Cidadão Kane.
Em resumo: Hanoun aqui tem sucesso em exprimir o que Antonioni, por excesso de preciosismo e excessiva fidelidade aos seus ídolos literários, fracassara. Ele reduz o tempo em migalhas, com o afã de restituir o magma informe da subjetividade.

Louis Marcorelles, Cahiers du Cinéma 95, maio de 1959

Trdução: Luiz Soares Júnior.

Notas:


1. O testamento do doutor Cordelier

2. No original  "coupeurs de cheveux en quatre".


terça-feira, 8 de maio de 2012

Tenebrae: A dobra do recalcado



Em 1982, Dario Argento abandona os território do sobrenatural ( Suspiria e Inferno) e retorna ao giallo. O título do filme, Trevas, remete a um sombrio interior, à cor da pulsão mortífera, e não à sua estética- solar, que evoca antes a atmosfera de um giallo deslavado, do qual só se tivesse conservado a cor vermelha. Tenebrae é um filme sobre o branco: branco como as páginas do escritor ainda não enegrecidas por seus fantasmas mórbidos, branco como a atmosfera de pesadelo que o assombra, branco como o halo virginal que perderam as mulheres que trucida ( “puta suja!”, sussurra-lhes à orelha antes de matá-las)-, branco enfim como o meio higienizante constituído por halls de aeroporto, quartos frios, estúdios de televisão e  villas iluminadas por néon. O design, glacial e  ultramoderno, privilegia as formas contundentes, as linhas retas ou quebradas e as superfícies retangulares  expostas de grandes baías envidraçadas. Longe da Roma turística cheia de signos do passado, a Roma de Tenebrae é uma cidade residencial e  impessoal, feita de jardins cercados de arame e aléias de concreto. A violência erstá presente em todos os recantos das ruas e determina a maioria das relações humanas, quer se tratem de violência comum ( um roubo num magazine, um mendigo agressivo, objetos de uso pessoal depredados, um doberman ensandecido de raiva, uma ruptura amorosa em lugar público, uma crise de ciúme ou brigas) ou criminais. A onipresença do vidro engendra uma conflagração de espaços públicos e privados. A transparência abole a interface exterior/interior e vale como prolongamento plástico de uma fronteira móbil, em torno da qual o filme se desloca: “Vemos mas não podemos tocar. A comunicação é universal e  abstrata”. 1 Neste giallo quase futurista em que a pulsão sexual é “entubada” em contêineres, o assassinato constitui o único meio de entrar em contato com o outro. De penetrá-lo. Argento insistiu com frequência na dimensão intemporal do filme, verificável tanto na escolha dos cenários quanto na dos figurinos, impossíveis a datar. A música, enfim, à base de teclados eletrônicos e caixas rítmicas, reforça a sensação de um mundo frio e desumanizado, dominado pela tecnologia.
Tenebrae é um pesadelo climatizado. Antes de tudo, a referência é à televisão italiana da época, em sua tentativa de absorver o cinema e impor a quem lhe resiste seus códigos estéticos grosseiros ( o primeiro assassino é um apresentador de talk show!). Pela primeira vez, Argento abandona o cinemascope pelo 1:85, formato mais próximo do da tela de televisão , e superexplora seus estereótipos: uma luz pálida e branca ( todos os atores tem o rosto emplastrado de branco), sequências de comédia “água de rosa”, interiores impessoais e personagens clichês: um jogador de fliperama com jeans colado ao corpo e “bodybuidado”, uma “tinca”- lábios polpudos e estremecimentos lascivos- ou uma femme fatale ( Jane, a ex-mulher de Peter Neal), versão over de Veronika Lake.

Ao cabo de vinte minutos, um pesadelo ou uma lembrança que imaginamos traumática para o criminoso irrompe no filme sob a forma de um flash-back. Numa praia, uma mulher vestida de branco e com um par de sapatos vermelhos desnuda-se diante de rapazes de que vemos apenas as pernas. Súbito, um deles lhe dá uma bofetada. Jogado à terra e macerado de golpes, ele sofre as represálias da mulher, que lhe enfia o salto na boca. Mais tarde, um segundo flash-back fecha este pequeno filme no filme e nos mostra a jovem apunhalada pelo rapaz a quem humilhara. Damo-nos conta agora que o estilo visual de Tenebrae é obra de um espírito doente; é sua matriz plástica ( todos os “motivos”- a obstrução da boca, a importância do fetiche, o desejo negativo, as cores- reencontramos aqui), e  o filme é sua versão soft. Argento enfatiza aqui a origem patológica da estética televisual e do que esta produz em matéria de recalcado (refoulé)- a televisão se torna o pesadelo literal do cinema. Tenebrae “des-dobra” precisamente a imagem cinematográfica de seu recalcado televisual. O assassino, cujos atos são calcados sobre os do romance ( “é uma espécie de homenagem ao livro”, diz-nos o inspetor Giernani), se centra no que ele considera a Corrupção, que reúne todos os comportamentos ( sexuais, humanos) que ele julga “desviantes”. Ele encarna assim uma espécie de braço armado da censura televisual, e evolui como ela no interior de um mundo regido por fórmulas petrificadas ( “”fixed patterns” é a expressão usada por Tilde,a  jornalista). O filme, que se poderia acreditar estar bloqueado por esta constatação crítica, desloca progressivamente seu objeto a partir de seu horizonte, ou seja de seu impensado: o sexo e  o assassinato.

O sexo primeiro, pois Tenebrae leva para o centro do “contêiner” aquilo que habitualmente este expulsa ( fetichismo, homosexualidade, sadomasoquismo). Um dos exemplos mais perturbadores do travestismo empreendido é a escolha do transexual Eva Robins/Roberto Coati  2 para encarnar a  moça da praia, fantasma erótico trivial. O duplo pertencimento sexual do ator/atriz contamina o conjunto do filme e instala em seu centro um princípio de indeterminação. “Se tiveres atração por ela, estás preso na teia. Eva é apenas um sonho, uma aparência”. 3 Qualquer que seja o caso da figura ( olhar heterossexual ou não), esta imagem de status incerto aprisiona numa armadilha o olhar do espectador. Ela é o lugar por onde passam todas as dobras do filme- entre normalidade e desvio, heterossexualidade e homossexualidade, atração e repulsa, clichê e subversão-, o que o leva a experimentar um desejo forçosamente contraditório, eivado de sentimentos que naturalmente se excluem. O assassinato enfim que surge como um programa, em letras capitais  e closes nos créditos do filme. A brutalidade do filme é à medida da higienização ambiente, de que a violência parece ser o recalcado orgânico e vingador. Degolas, lacerações, amputações e outros “gêiseres” escarlates reintroduzem a cor ( o desejo, a pulsão) em um mundo que enlouqueceu. Tenebrae registra o surgimento do gore no país dos sitcoms. 


Notas:

1 Jean Baudrillard, O sistema de objetos

2 Notemos que Mario Bava também havia utilizado um garoto ( Valério Valeri) para fazer o papel da pequena Melissa em Operazione paura. Em Pronfondo rosso, o amiguinho de Carlo é feito por uma moça...

3 Entrevista feita por Christophe Gans por ocasião do lançamento de Tenebrae na França. 


Dario Argento, o mágico do medo. O mundo e  suas dobras. Jean Baptiste Thoret

Tradução: Luiz Soares Júnior.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Uma inexorável doçura




Seria preciso mobilizar todo um arsenal de comparações musicais para falarmos da Imperatriz Yang Kuei Fei, um dos últimos filmes de Mizoguchi. O cinema é a arte mais próxima da música, pois é uma arte do tempo, e a economia interior de um filme se aproxima mais de um concerto, uma sinfonia que de um quadro ou romance. Se Yang Kuei Fei pode evocar a Berenice de Racine por seu estilhaçamento elegíaco, Cinna ou Nicomède de Corneille pela amplidão dos interesses em jogo, Richard II de Shakespeare pelo papel do personagem imperial, é finalmente com Mozart que se impõe uma aproximação, em razão de uma suavidade na modulação sem igual. O principal ator de Yang Kuei Fei não é nem o imperador Huang Tsung nem a imperatriz Kuei Fei, mas o tempo. O imperador destronado e exilado numa ala de seu palácio recorda-se dos dias passados. E é a qualidade incomparável desta lembrança que confere ao filme suas vibrações sublimes, pois a evocação de um passado ainda tão próximo e tão feliz permite ao príncipe elegíaco aceder à Eternidade. A fragilidade e a incerteza de um amor temporal são abolidas em nome de uma felicidade eterna, mais forte que a morte. O amor é uma vocação, e evidentemente implica uma exigência de Absoluto, na medida em que busca ultrapassar as contingências do tempo e da morte. Ele recusa a inexorável necessidade e a implacável lógica de nosso universo, suas servidões, suas leis e seus limites. Daí o tema da reencarnação, garantia para nós de que a morte não prevalece contra nossa aspiração ao Eterno, nossa crença no triunfo último do amor. Pensemos aqui no admirável Vertigo de Hitchcock, pois estes dois filmes possuem em comum serem uma meditação sobre o amor e a morte.
É neste sentido que se pode dizer, apesar da singularidade dos figurinos e dos costumes ( des costumes et des coutumes), que Mizoguchi é o mais ocidental dos cineastas japoneses. Se seu filme nos toca tão profundamente, é porque ilustra um dos temas mais profundos da sensibilidade ocidental: o tema do amor cortês.
É útil saber que a ação se desenrola no século VII, na época da dinastia T’ang. O império chinês, como seu contemporâneo o império carolíngio, é um mundo feudal dominado por uma aristocracia de funcionários estatais que sonham com a  independência. No Oriente como no Ocidente, o imperador se esforça grandemente para obter o respeito de seus dignatários e assegurar a unidade do império. Deve lutar sem tréguas contra as tentativas de “pronunciamiento” dos governadores de províncias excessivamente poderosas. A polidez compassada dos altos funcionários, sua abjeta adulação, o ritual do cerimonial imperial mascaram mal a brutalidade dos costumes. Mata-se com sinais exteriores de respeito, mas mata-se. Assim, o exotismo dos hábitos e das maneiras de agir não devem nos fazer esquecer o íntimo parentesco entre civilizações em aparência tão irredutíveis. Em Constantinopla, em Aix-la-Chapelle ou Changan, reina um clima idêntico de complots, maquinações e intrigas, de lucro e rapinagens, e pensamos aqui fatalmente em reinos da história do Ocidente europeu igualmente lacerados por perturbações e férteis em tragédias íntimas.

Mizoguchi nos torna tudo isto presente; ficaria surpreso em descobrir neste filme algum dos anacronismos que se encontram em tantos filmes europeus. Impressionam-me a precisão dos detalhes, a autenticidade do clima sugerido. Semelhante grau de delicadeza é garantia de uma perfeita harmonia do conjunto. À tragédia política,  história de um império em aparência tão poderoso e tão débil de fato, corresponde uma tragédia privada que a infelicidade reinante do tempo torna ainda mais comovente. Neste mundo ao mesmo tempo bárbaro e refinado, não se sabe o que fazer com um príncipe esteta e sonhador, que não sabe adaptar sua conduta à razão do Estado. A razão dos problemas do imperador não está  em que  a família de sua mulher dilapide seu tesouro, mas no fato de que ele consagra muito tempo à música e ao amor. Ele sacrifica a arte de reinar à arte de viver, , e subordina desmedidamente as exigências do poder às da paixão. Em consequência,a  renúncia de Yang não lhe serve de nada, e ela será destruída unicamente por culpa do amado. Neste clímax, Mizoguchi nos restitui à perfeição o caráter igualmente cativante e decepcionante deste nobre personagem. 
Esta “chronicle play” é magistralmente servida por uma mise en scène e uma cor de incomparáveis delicadeza. Que graça, que suavidade no emprego de tons opacos e quebradiços exaltados em certos momentos por acentos claros e fulgurantes! É Mizoguchi o único responsável por este sucesso, pois seu fotógrafo deu-se menos bem nas Portas do inferno.
Intitulei esta crítica: uma inexorável doçura. Não deveríamos pensar em Resnais, diante desta mescla tão bem dosada entre crueldade e suavidade?

Jean Domarchi, Cahiers du cinéma, agosto 1959

Tradução: Luiz Soares Júnior.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

O pai, o filho e o cinema




Há em Paul Vecchiali um lado “velha França”. Este politécnico sempre geriu suas produtoras ( Les Films de Gion, Unité Trois, Diagonale) como um bom pai de família, com amor, rigor e minúcia, como Truffaut, Rohmer, Tavernier, Varda ou mim mesmo; e na contracorrente da maioria, pois não teme as apostas aventurescas ou os riscos de falência. Este tradicionalismo a toda prova é contraditado por um olhar humano e generoso sobre o mundo dos homossexuais.
O lado reacionário, direitista traduz-se particularmente numa grande atenção dedicada à família, aos pais. Neste sentido, só vejo Tavernier com quem se lhe possa comparar ( Daddy nostalgia, L’horloger de Saint-Paul), com esta diferença significativa que Tavernier se situa em um horizonte político absolutamente oposto.
Vecchiali, creio, é o único cineasta do mundo que consagrou um filme à sua mãe (E haut des marches) e outro a seu pai ( Doença). Tratamento desigual em aparência, já que o primeiro é um longa-metragem de ficção e o segundo um curta metragem documentário, mas este último possui a vantagem de um maior rigor, um poder emocional e artístico mais afirmativo. Eis aí uma orientação artística insólita em relação ao contexto cultural nacional ( o “Família, eu te odeio”! de Gide) e a nosso cinema, que possui a tendência ou a mostrar a fratura geracional ( Truffaut, Chabrol, Becker, Pialat), ou a omitir a geração anterior ( Rohmer, Godard, Rivette, Resnais).
Paul Vecchiali, 18 anos depois da morte de seu pai Charles, reencontrou seu diário, que relata a evolução de sua doença de 1952 até seu desaparecimento, em 1959. Paul filmou este diário, escrito num caderno. As indicações que contém são sucintas, precisas. Possuem um rigor quase militar. (1). Aliás, o defunto era capitão. E a emoção surge deste contraste entre a secura do texto filmado, acentuada pelo tom neutro do recitante, e tudo o que este contém de dramático. Temos realmente a impressão de um mal inexpugnável ( fomos prevenidos desde o início do destino fatal), que progride sem cessar, interrompido por curtas calmarias. Tudo começa por crises de asma, que parecem ter levado a afecções bem mais graves, já que o capitão Vecchiali morreria de um câncer. Ao menos que tenha havido uma concomitância fortuita.

O texto é lido, com alguns retoques, por Paul Vecchiali de uma maneira bem bressoniana. Pensamos aliás no desdobramento voz/escrito no Diário de um padre. O espectador lê mais rapidamente o escrito que o recitante. Isto leva a que com freqüência Vecchiali, para manter a não-sincronização, comece a ler a quarta ou quinta linha do texto. O espectador deve então fazer um esforço para tentar encontrar no caderno o texto que acabou de ouvir. O que aumenta sua participação no filme.
Perto do fim, a escritura, até então bem inteligível, torna-se desajeitada, quebradiça. Afetados por alguns efeitos de metamorfose facial devidos à doença, revelados por um montage cut perturbador, nos apercebemos que Charles aproxima-se de seu fim, e ele dá-se conta conosco. Paul Vecchiali acrescenta que seu pai relata seu diálogo com Deus ( ele pensa tê-lo ouvido), que identificava a vida a uma passagem, e que a eternidade seria a verdadeira vida. Reencontramos aqui os itinerários de todos os finais de vida. Charles Vecchiali erra de Tulon a Roquebrussanne, em Luc e Montpellier: as pessoas muito doentes estão com frequência na vã busca- contraditória sempre- de um lugar ou de um hospital onde poderiam estar melhores...
O mimetismo entre Charles e Paul torna-se impressionante. O bigode em comum conta muito. As fotos de família são em preto e branco, assim como uma imagem de Paul, uma foto dir-se-ia. Mas subitamente esta se anima(2). Ele quisera por um momento situar-se no mesmo plano que seu pai. Cremos por um instante ver os dedos de Charles, mas são os de Paul. E além do mais Paul fala na primeira pessoa, no pronome e no lugar do pai, como se quisesse prolongar-lhe a existência. Isto é algo surpreendente na obra de Vecchiali, onde os protagonistas são geralmente femininos, maternais ( apenas mulheres em Femmes femmes, Danielle Darrieux em En haut des marches).(3).
Encontramos, portanto, basicamente planos em cores de Vecchiali que fala, planos sobre fotos de família em preto e branco e planos sobre o caderno do pai, com certas fotos às vezes sobrepostas. Mas estas fotos provavelmente não são superimpressões: custaria muito caro na economia do filme. São jogos de espelho que projetam as imagens da foto, um tanto evanescentes, sobre as páginas do caderno.
Maladie é de fato um filme sem nenhum orçamento ( no budget film). Vecchiali julga que o rodou em duas horas. O que me envergonha: levei mais tempo que isso a redigir este texto. Temos aqui a prova de que são possíveis obras-primas tocantes, comoventes como Maladie com nada. Foi Maladie que me incitou novamente a filmar curtas-metragens, sempre que tinha vontade. Em 1978, os realizadores de longas se sentiam desvalorizados se voltassem ao curta.
Eis aqui a primeira vez em que um cineasta consagra todo ou parte de seu filme à sua doença ( Charles sendo aqui o alter ego de Paul). Desde então, houve Nick’s movie ( Nicholas Ray, Wim Wenders, 1979), Diário íntimo ( Nanni Moretti, 1983),Lês derniers mots ( Van der Keuken, 1998), Le fil de ma vie ( Lionel Legros, 2002), , L’insaisissable image ( Marcel Hanoun, 2007). A origem deste lamento da doença talvez se encontre em Violência e paixão de Visconti ( 1975) e através da obra de Dwoskin. O cineasta busca não morrer para terminar seu filme.
Vocês podem me dizer que tudo já estava no diário de Charles. Paul não teve grande coisa a fazer. Talvez. Mas é o resultado que conta, pouco importa de onde vem. Necessidade de muito tato e sensibilidade para traduzir este diário em filme sem o trair.
E Maladie reencontra todo um cinema moderno, feito sobre o escrito e a palavra, o cinema de Bresson e de Straub.

Luc Moullet.

Tradução: Luiz Soares Júnior.

Notas:

1. Neste contexto objetivo, os adjetivos raríssimos que mencionam a dor tomam uma considerável importância.

2.
Vecchiali, de forma discutível, nos engana um instante: cremos ver uma foto do doutor, quando se trata de Charles.

3.
Filme de que Maladie é realmente o gêmeo: começa também com fotos de família.